Cargos no Governo devem ser ocupados por quem tenha capacidade de entender da indústria de eventos, turismo e entretenimento.

Neste momento em que os Estados e o Brasil se preparam para a renovação de seus dirigentes, fazemos votos para que a desastrosa constatação de Bruno Wendling e Panosso Netto não seja repetida pelos recém-eleitos. É imperioso que cargos no Ministério do Turismo, na Embratur e nas secretarias estaduais sejam ocupados por quem tenha perfil que os capacitem a compreender a importância da indústria de eventos, turismo, viagens e entretenimento como fator econômico, mas também de desenvolvimento cultural e transmissão de conhecimento.

O primeiro grande projeto da Academia Brasileira de Eventos e Turismo, o Brasil 2030¹, completa cinco anos e é lembrado no artigo² na Revista Academia n.8, do prof. Eduardo Mielke, seu realizador: “O estudo foi feito em 2017/8, a pedido do diretor Sergio Junqueira, na gestão do saudoso Sérgio Pasqualin. No estudo aplicamos um Delphi (método de pesquisa qualitativa) onde o objetivo era saber dos acadêmicos e expertos, como eles estavam percebendo o futuro do setor de Turismo e Eventos no país. O principal ganho da aplicação deste tipo de metodologia é a conexão. A busca do consenso através do contato com aqueles que estão na ponta, na vanguarda e que tem o privilégio de ver o setor como ninguém. Uma visão do todo, robusta e profunda”.

Passados cinco anos, muitas de suas conclusões permanecem válidas, algumas denotando o pouco espaço que conquistamos. Abaixo, listo algumas:

“Apesar de existir um Ministério do Turismo o setor não é reconhecido como instrumento estratégico de desenvolvimento econômico”.

“O olhar sobre a importância dos Municípios para a Indústria de Eventos e Turismo precisa ser resgatado, a Regionalização funciona só no papel”.

“Nunca o associativismo foi tão importante como está sendo neste atual cenário, que é de desconfiança e de insegurança”.

“Diante da real situação das Políticas de Turismo, é fundamental a retomada da discussão sobre o fortalecimento institucional e o papel de nossas organizações representativas da indústria de eventos e turismo! Enquanto estivermos dispersos, cada um olhando seu umbigo não avançaremos”.

Reportado por Shin Suzuki, no BBC News Brasil, estudo³ do prof. Alexandre Panosso Netto, grande parceiro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo e do LAB Academia, traz algumas conclusões condizentes com o panorama apontado no “Brasil 2030”.

A investigação observa que, mesmo durante o boom do turismo internacional na década passada, o Brasil estacionou em pouco mais de 6 milhões de visitantes estrangeiros por ano. Nesse período, o país ainda teve a rara oportunidade de sediar uma Copa do Mundo e uma Olimpíada no espaço de dois anos, mas o crescimento entre 2014 e 2019 foi ínfimo: uma alta ligeira (que também pode ser vista como estagnação) de 6,31 milhões para 6,35 milhões”.

O Brasil não figura nem na lista da Organização Mundial de Turismo dos 50 países com mais chegadas de turistas. Para efeito de comparação, uma única localidade do Vietnã, a Baía de Ha Long, recebeu quase o equivalente aos números totais do Brasil: 6,2 milhões, de acordo com o Euromonitor. O Vietnã, como um todo, contabiliza 18 milhões de viajantes internacionais anualmente”. Análise feita pela Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade, vinculada ao Ministério da Economia, no ano passado afirma que: “O Brasil não faz parte das rotas do turismo global, no Brasil, 93% dos visitantes são locais”.

Para Alexandre Panosso Netto, coordenador de pós-graduação em Turismo da Universidade de São Paulo (USP), esse caminho de desenvolvimento não se torna uma política séria de Estado por algumas razões: "concorrência de várias áreas e a incompreensão dos pontos positivos do turismo como vetor e alavanca de inclusão social, de valorização da cultura e de diversificação de pensamentos e aprendizado".

Violência, corrupção, ambiente hostil para mulheres e para o público LGBTQ+, somados à deterioração nos últimos anos da imagem do país em campos como meio ambiente e a gestão da pandemia do coronavírus, não criam um cenário muito atraente para turistas considerarem o Brasil como destino”, afirma Panosso Netto.

O pesquisador também diz que a ligação do país a histórias que envolvem corrupção "influenciam como o turista nacional e internacional veem o destino Brasil. Se é um destino com notícias de corrupção, também se pode imaginar que é um destino inseguro".

O estudo cita um índice criado pelos jornalistas Asher e Lyric Fergusson(4) que ranqueia os países mais perigosos para mulheres que viajam sozinhas. O Brasil é listado na segunda posição, atrás apenas da África do Sul.

A mudança do slogan oficial do turismo brasileiro em 2019 também não ajudou na imagem brasileira. A frase usada para promoção, "Visit and love us" (Visite e nos ame, em tradução literal), foi considerada de pouca fluência e de construção pouco usual no inglês, além de soar com conotação sexual.

Em artigo no livro Marketing de Destinos (5), Bruno Wendling, secretário de Turismo de MS, também trata da questão da Marca Brasil: “A falta de continuidade das políticas públicas que, no passado, foram planejadas e implementadas, é um dos principais gargalos da falta de posicionamento e de gestão do Destino e da Marca Brasil. Falando em Marca Brasil, não posso deixar de manifestar minha indignação quanto à mudança na marca que representa nosso país, apenas por uma questão de ideologia, falta de capacidade técnica e gerencial e decisão unilateral do presidente da Embratur”.

Afirmação que condiz com o estudo de Panosso Netto: "Políticas de turismo específicas precisam ser baseadas em um processo de planejamento contínuo. Para um desenvolvimento mais sustentável do setor é preciso que o Ministério do Turismo e a Embratur tenham grande qualidade técnica, com um planejamento de longo prazo”.

Voltando ao artigo de Wendling, “a ausência de uma política pública estruturada é resultado da falta de capacidade, conhecimento e foco, não prioriza o turismo enquanto atividade econômica, usando a pasta somente como instrumento de politicagem. Isso não é uma crítica direcionada, apenas uma constatação, que, infelizmente, é a realidade da maioria dos destinos do Brasil. Os gestores maiores (presidente, governadores e prefeitos) ainda não dão importância à pasta do Turismo na composição do governo. Ela continua servindo como moeda de troca política, em que são alocadas pessoas que não têm perfil para estarem ali, acarretando a falta de planejamento, de direção e, por consequência, limitando a capacidade de o destino se desenvolver”.

E, continua Wendling: “Há anos, é notória a ausência de gestão e de marketing do destino Brasil. Essa é uma afirmação fácil de se fazer. Os números, a ausência de um posicionamento claro, de estratégias e ações voltadas para o mercado, a perda da imagem de um destino atrativo são alguns dos pontos que me levam a essa conclusão”.

O Brasil já teve, alguns anos atrás, uma estratégia bem definida, seja de promoção nacional com o Ministério do Turismo ou internacional com a Embratur, trabalhando a segmentação de oferta e demanda, com campanhas desenhadas a partir de um posicionamento mais claro e de investimentos (mesmo que sempre abaixo do que precisávamos) realizados com o mínimo de coerência técnica. Agora, vive um abismo na gestão, com ausência de uma política pública clara e alinhada ao mercado, sem uma governança em nível nacional. Isso demonstra a inoperância do Conselho Nacional de Turismo, que não se reuniu uma única vez durante a pandemia para traçar estratégias conjuntas visando à retomada do setor, além da falta de um planejamento claro, com objetivos e metas concretas, que norteie as ações dos estados e destinos brasileiros”.

Neste momento em que os Estados e o Brasil se preparam para a renovação de seus dirigentes, fazemos votos para que a desastrosa constatação de Bruno Wendling e Panosso Netto não seja repetida pelos recém-eleitos. É imperioso que cargos no Ministério do Turismo, na Embratur e nas secretarias estaduais sejam ocupados por quem tenha perfil que os capacitem a compreender a importância da indústria de eventos, turismo, viagens e entretenimento como fator econômico, mas também de desenvolvimento cultural e transmissão de conhecimento.

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¹ https://bit.ly/BrasilEventos2030

² “Onde estão as nossas viradas de chaves para 2023 – 2026”, Dr. Eduardo Mielke, Revista Academia n. 8 - http://bit.ly/3WQBnH8

³ https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63671736

4. https://www.asherfergusson.com/solo-female-travel-safety/

5. Marketing de Destino – Dr. Eduardo Mielke e outros – 2022 - https://www.editorareflexao.com.br/universidades/grupo-conecta-eventos/marketing-de-destinos